A inteligência artificial deixou de ser apenas um diferencial competitivo para se tornar um componente essencial do ecossistema financeiro. Mais do que um modismo, o uso de modelos baseados em IA impacta tanto a forma como os produtos financeiros são ofertados quanto o próprio funcionamento do mercado. E não estamos falando apenas em acelerar processos ou reduzir custos, mas em reconfigurar os processos de decisões de investimento, avaliação de risco, análise de mercado e relacionamento com clientes.
Gestoras e outros participantes que se valem de negociação algorítmica usam IA para rebalancear carteiras em tempo real e gerar sinais de negociação por meio da análise de movimento dos preços, notícias, divulgações das empresas e publicações nas redes sociais.
Mas a revolução não se limita ao “buy side”. Corretoras, bancos de investimento e plataformas de negociação — ou seja, o “sell side” — adotam IA para otimizar processos pré e pós-negociação, melhorar a liquidez e reduzir falhas de liquidação. Nos bastidores, ferramentas com modelos de linguagem avançados apoiam equipes internas na geração de relatórios, tradução de documentos e organização de dados regulatórios. O uso de modelos multimodais, capazes de interpretar texto, áudio e imagem simultaneamente, amplia as possibilidades para decisões mais informadas e céleres, inclusive em situações de mercado de alta volatilidade.
Uma pesquisa recentemente realizada pela Iosco — organização internacional que reúne reguladores de valores mobiliários — revelou que as aplicações mais recorrentes de IA estão organizadas em três grandes blocos: otimização de operações internas, melhoria da interação com clientes e aperfeiçoamento de processos ligados à negociação e investimento. Embora os benefícios sejam evidentes — como aumento de eficiência, redução de custos e melhora na experiência do usuário — o relatório reforça que a adoção deve respeitar os princípios estruturantes do mercado de capitais: integridade do funcionamento do mercado, proteção ao investidor e estabilidade financeira.
Por exemplo, na interação com o investidor final, observam-se avanços importantes nos chamados robo-advisors. Comportamentos e preferências dos clientes são processados por modelos que segmentam perfis, constroem carteiras personalizadas e ajustam automaticamente o portfólio diante de mudanças de mercado.
Do outro lado, assistentes virtuais respondem dúvidas, simulam operações e até mesmo executam ordens. Ferramentas de retrieval-augmented generation (RAG ) são usadas para aumentar a precisão das respostas, conectando a IA a bases de conhecimento internas. Há ainda o uso crescente da IA na personalização de campanhas de marketing e na melhoria da retenção de clientes, ampliando a capacidade de distribuição de produtos de forma inteligente e escalável.
Monitoramento
Na perspectiva regulatória, as autoridades e entidades autorreguladoras começaram a adotar as tecnologias de IA para atividades de supervisão, identificação de padrões suspeitos, detecção de fraudes e automação de tarefas administrativas, detecção de vulnerabilidades cibernéticas, e monitoramento de transações suspeitas para prevenção à lavagem de dinheiro (AML) e conhecimento do cliente (KYC).
Há um movimento claro de “augmented supervision“, no qual o regulador passa a contar com tecnologia para ampliar sua atuação sem depender exclusivamente de equipes numerosas.
Não há, contudo, inovação sem risco. A falta de transparência e explicabilidade acerca do funcionamento de certos modelos dificulta a supervisão e traz desafios em termos de atribuição de responsabilidades aos diferentes elos da cadeia de fornecimento de software, serviços e produtos financeiros. Em um ambiente em que decisões são delegadas a modelos de natureza probabilística, o risco de comportamentos erráticos e imprevisíveis não pode ser negligenciado. Além disso, modelos treinados com dados históricos podem apresentar degradação de desempenho quando o ambiente muda abruptamente, como em momentos de crise ou rupturas relevantes.
A ideia de “inteligência aumentada” parece mais adequada do que “artificial”, pois, ao menos por enquanto, a responsabilidade final pelas decisões e atividades reguladas permanece com os humanos. A IA amplia capacidades, processa dados em escala sobre-humana, mas não elimina o fator humano — ou não deveria eliminá-lo.
A adoção responsável da inteligência artificial nos mercados financeiros exige mais do que entusiasmo tecnológico — requer discernimento estratégico e vigilância regulatória. O equilíbrio entre inovação e prudência será fundamental para colher os benefícios da automação sem comprometer os pilares que sustentam a confiança no sistema financeiro. A promessa da IA não reside em substituir o humano, mas em ampliar sua capacidade de decisão e supervisão. Cabe aos reguladores, às instituições e aos próprios profissionais do setor garantir que essa tecnologia seja aliada do progresso — e não catalisadora de novos riscos sistêmicos.
Fonte: https://www.conjur.com.br/2025-abr-23/ia-no-mercado-de-capitais-casos-e-perspectivas/

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